Dizem que o paganismo é uma religião de alegria e o cristianismo é de
tristeza. Seria igualmente fácil provar que o paganismo é pura tristeza
e o cristianismo pura alegria. Esses conflitos nada significam e não
levam a lugar algum. Tudo o que é humano deve conter em si alegria e
tristeza; a única questão que interessa é como os dois ingredientes são
equilibrados e divididos. E a coisa realmente interessante é a seguinte,
que o pagão sentia-se em geral cada vez mais feliz à medida que se
aproximava da terra, mas cada vez mais triste à medida que se aproximava
dos céus.
A alegria do melhor paganismo, como na jocosidade de Catulo ou Teócrito,
é, de fato, uma alegria eterna que nunca deve ser esquecida por uma
humanidade grata. Mas é uma alegria totalmente voltada para os fatos da
vida, não envolvendo a origem dela. Para o pagão, as menores coisas são
doces como os menores riachos que irrompem da montanha; mas as coisas
maiores são amargas como o mar. Quando o pagão olha para o verdadeiro
âmago do cosmos, ele de súbito se sente gelado. Por trás dos deuses, que
são meramente despóticos, sentam-se as parcas, que são mortais. Melhor
dizendo, as parcas são piores que mortais; elas estão mortas.
E quando os racionalistas dizem que o mundo antigo era mais esclarecido
que o mundo cristão, do seu ponto de vista eles estão certos. Pois
quando dizem "esclarecido" querem dizer "obscurecido" por um incurável
desespero. E profundamente verdadeiro que o mundo antigo era mais
moderno do que o cristão. O vínculo comum está no fato de que os antigos
e os modernos sentiram-se infelizes acerca da existência, acerca de
todos os fatos da vida, ao passo que os medievais sentiam-se felizes
pelo menos a respeito disso.
Admito francamente que os pagãos, assim como os modernos, eram apenas
infelizes acerca da totalidade dos fatos da vida - eles eram muito
alegres acerca de tudo o mais. Concedo que os cristãos da Idade Média
viviam em paz com a totalidade dos fatos da vida - estavam em guerra com
tudo o mais. Mas se a questão girar em torno do primeiro pivô do cosmos,
então havia mais contentamento cósmico nas estreitas e sangrentas ruas
de Florença do que no teatro de Atenas ou no jardim aberto de Epicuro.
Giotto viveu numa cidade mais sombria do que Eurípides, mas ele viveu
num universo mais alegre.
A massa humana tem sido forçada a sentir-se alegre acerca de coisas
pequenas, mas a entristecer-se acerca de coisas grandes. Apesar disso
(apresento o meu último dogma como uma provocação), não é natural para o
homem ser assim. O homem se identifica mais consigo mesmo, é mais
parecido com o homem quando a alegria é a coisa fundamental dentro dele
e a dor é superficial. A melancolia deveria ser um inocente interlúdio,
um estado de espírito delicado e fugaz; a pulsação permanente da alma
deveria ser o louvor. O pessimismo é, na melhor das hipóteses, um
meio-feriado emocional; a alegria é a ruidosa labuta pela qual vivem
todas as coisas.
No entanto, de acordo com a aparente condição do homem na ótica do pagão
ou do agnóstico, essa primeira necessidade da natureza humana nunca pode
ser satisfeita. A alegria deveria ser expansiva; mas, para o agnóstico,
ela deve ser contraída, deve restringir-se a alguém bem-sucedido neste
mundo. A dor deveria ser uma concentração; mas, para o agnóstico, a
desolação dela se espalha por uma eternidade inimaginável. Isso é o que
chamo de nascer de cabeça para baixo. Pode-se na verdade dizer que o
cético está de pernas para o ar, pois seus pés vão dançando virados para
cima em vãos frenesis, enquanto o cérebro está no abismo.
Para o homem moderno, os céus estão realmente embaixo da terra. A
explicação é simples: ele está de ponta-cabeça, o que constitui um
pedestal pouco resistente para apoiar-se. Mas quando ele houver
novamente descoberto os próprios pés, saberá disso. O cristianismo
satisfaz de repente e à perfeição o instinto ancestral do homem de estar
virado para cima; e o satisfaz plenamente neste sentido: com seu credo a
alegria se torna algo gigantesco e a tristeza algo especial e pequeno.
A abóbada acima de nós não é surda porque o universo é um idiota: seu
silêncio não é o silêncio sem piedade de um mundo sem fim e sem destino.
O silêncio que nos cerca é antes uma pequena e compassiva quietude como
a súbita quietude no quarto de um enfermo. Talvez a tragédia nos seja
permitida como uma espécie de comédia benigna: porque a frenética
energia das coisas divinas nos derrubaria como uma farsa de bêbados.
Podemos aceitar as próprias lágrimas mais facilmente do que poderíamos
aceitar a tremenda leveza dos anjos. Assim ficamos sentados talvez num
quarto estrelado e silencioso, enquanto a risada dos céus é forte demais
para os nossos ouvidos.
A alegria, que foi a pequena publicidade do pagão, é o gigantesco
segredo do cristão. E no fechamento deste caótico volume torno a abrir o
estranho livrinho do qual proveio o cristianismo; e novamente sinto-me
assombrado por uma espécie de confirmação. A tremenda figura que enche
os evangelhos ergue-se altaneira nesse respeito, como em todos os
outros, acima de todos os pensadores que jamais se consideraram elevados.
A compaixão dele era natural, quase casual. Os estóicos, antigos e
modernos, orgulhavam-se de ocultar as próprias lágrimas. Ele nunca
ocultou as suas; mostrou-as claramente no rosto aberto ante qualquer
visão do dia-a-dia, como a visão distante de sua cidade natal. No
entanto,alguma coisa ele ocultou. Solenes superhomens e diplomatas
imperiais orgulham-se de conter a própria ira. Ele nunca a conteve.
Arremessou móveis pela escadaria frontal do Templo e perguntou aos
homens como eles esperavam escapar da danação do inferno. No entanto,
alguma coisa ele ocultou. Digo-o com reverência; havia naquela chocante
personalidade um fio que deve ser chamado de timidez. Havia algo que ele
encobria constantemente por meio de um abrupto silêncio ou um súbito
isolamento. Havia uma certa coisa que era demasiado grande para Deus nos
mostrar quando ele pisou sobre esta nossa terra. As vezes imagino que
era a sua alegria.
Fonte: G. K. Chesterton, Ortodoxia, Editora Mundo Cristão, páginas 260 a 263
(ap. Ely Silmar Vidal - Teólogo, Psicanalista, Jornalista e presidente
do CIEP - Clube de Imprensa Estado do Paraná)
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Mensagem 020418 - Alegria no cristianismo - (imagens da internet)
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